História de Cassilândia: Conto Pitoresco Verídico, de Ivan Fernando Gonçalves Pinheiro

Conto Pitoresco Verídico

Ivan Fernando Gonçalves Pinheiro*

Um advogado mineiro do interior instalou sua banca de advocacia na comarca de Cassilândia-MS, no início da década de 80, imaginando que conhecia a linguagem popular dos sul-mato-grossenses. Logo teve que aprimorar seu vocabulário coloquial quando recebeu para consulta um nativo da região, caboclo rural falastrão, que foi direto ao caso quando disse:

“Doutor, estão fazendo uma camofra comigo. Eu morava no Cachorro Sentado, mas atualmente comprei uma data na Vaca Parida. Para chegar na minha data, tenho que passar beirandinho da data de um vizinho zogado. Ele trancou a passagem e disse que se eu quiser passar tenho que pedir uma homenagem. A passagem é antiga e pública, acho que não é direito ele exigir homenagem. Um amigo me disse que antes de pelejar com esse vizinho zogado, eu deveria procurar um advogado do saco roxo, para combater esse atrevido arruaceiro. Então eu vim na batida do meu amigo, tirar uma opinião com o doutor. O senhor não me conhece, por isso vou logo desembuchando: Nasci na Bucaina, corri mundo, já morei na Pimenta e no Biscoito Duro. Nunca mijei fora do pinico ou caguei andando. Agora depois de véio me aparece essa arruaça para me atazanar os miolos.”

 Tradução do texto para o português usual

Doutor, estão fazendo uma esperteza comigo. Eu morava no Distrito do Alto Tamandaré-MS, mas atualmente comprei uma gleba de terras no Distrito de Indaiá do Sul-MS. Para chegar à minha gleba de terras, tenho que passar na beirinha da gleba de terras de um vizinho intolerante e mal humorado. Ele trancou a passagem e disse que se eu quiser passar, tenho que lhe pedir uma autorização. A passagem é antiga e pública, acho que não é correto ele exigir sua autorização para que eu possa usá-la. Um amigo me disse que antes de demandar com esse vizinho intolerante, eu deveria procurar um advogado viril e sério, para tomar as medidas legais contra esse atrevido desordeiro. Eu vim no rastro do meu amigo, consultar o advogado. O senhor não me conhece, por isso vou logo me apresentando: Nasci na cidade de Inocência-MS, corri mundo, já morei na cidade de Itarumã-GO, e na cidade de Itajá-GO. Nunca pratiquei atos de desonestidade ou não deixei de levar a vida a sério. Agora, depois de velho, aparece essa confusão para me perturbar o cérebro.

Dicionário Regional do MS

Arruaça: Desordem, brigas, confusão.

Arruaceiro: encrenqueiro, desordeiro.

Atazanar os miolos: Perturbar o cérebro.

Batida: Rastro, pegada, marcas dos pés sobre o caminho.

Beirandinho: beirada estreita, apertada.

Biscoito duro: Apelido popular da cidade de  Itajá-GO.

Bucaina: Apelido popular da cidade de Inocência-MS.

Cachorro sentado; Apelido popular do Distrito do Alto Tamandaré-MS.

Cagar andando: Não levar a sério,  não ligar para nada, não dar importância,

Camofra: Armadilha, esperteza, enganação, maracutaia.

Desembuchar: falar, esclarecer, explicar.

Data: Lote de terreno.

Mijar fora do pinico: Praticar atos de desonestidade.

Pedir homenagem: humilhar-se, pedir autorização, permissão.

Pelejar – Demandar, brigar, lutar.

Pimenta: Apelido popular da cidade de Itarumã-GO.

Saco roxo: macho, viril, forte.

Vaca Parida: Apelido popular do Distrito de Indaiá do Sul-MS.

Véio: velho, idoso.

Zogado: Intolerante, atrevido, mal humorado.

*Ivan Fernando Gonçalves pinheiro é membro efetivo da Academia Maçônica de Letras de Mato Grosso do Sul e titular da Cadeira nº 35.

Extraído do livro A História de Cassilândia, de Corino de Alvarenga

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