Crise no Brasil pode impulsionar ida de sul-mato-grossenses para trabalhar no Japão

Com a crise no mercado de trabalho no Brasil e a proximidade das Olimpíadas em Tóquio, a busca por emprego no outro lado do mundo pode voltar a ser uma realidade. Os ‘dekasseguis’, como são chamados, são descendentes de japoneses que migram para o Japão por melhores oportunidades. Mas, mesmo atrativo, o trabalho no Oriente pode não ser tão fácil quanto se imagina.

Dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta semana apontam que o desemprego caiu para 12%, mas a taxa de trabalhadores informais aumentou. Com isso, o rendimento médio da população também caiu. Em MS, a taxa de ocupação nos primeiros três meses do ano foi de 9,5%.

Para a pesquisadora Francisca Bezerra de Souza, doutoranda em Psicologia pela UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), o fluxo de migração de descendentes para o Japão teve um ‘boom’ no começo da década de 1990, mas o fenômeno pode voltar a se repetir. Segundo ela, na época, o Japão precisava de mão de obra e o Brasil passava por uma crise, com o confisco da poupança no Governo Collor.

Segundo a pesquisadora, que fez uma dissertação sobre os dekasseguis, o processo de migração para o Japão pode se repetir. “De 2014 para cá, novamente Brasileiros estão indo para o Japão buscar trabalho. Tem que pensar que lá terá a Olimpíada, o próprio governo japonês quer que os imigrantes vão para lá trabalhar. É o momento que os imigrantes são bem-vindos”, diz.

Dono de uma agência de dekasseguis, Reinaldo Togoe, conta que o cenário de desemprego tem aumentado a procura de brasileiros por oportunidades. Com a falta de perspectivas, há famílias inteiras com esperança de se mudar de vez para o Japão. Segundo Togoe, apesar da alta procura, quando os Estados Unidos aumentaram as tarifas sobre produtos chineses, as oportunidades ficaram mais escassas.

“Isso acabou fazendo com que o Japão ficasse receoso e houve queda na demanda. Se os Estados Unidos taxam a China, Japão vende menos, acaba prejudicando a economia e param de contratar. Tínhamos muita vaga para casal com filhos, estávamos conseguindo embarcar até maio”, relata. Apesar das dificuldades, as perspectivas é que as contratações de dekasseguis voltem a aumentar até o fim do ano.

Para os interessados em serem dekasseguis, Togoe explica que as oportunidades de trabalho e os salários são melhores para quem fala o idioma, independente da escolaridade. “Se podemos pegar um engenheiro e ele não souber falar, vai ganhar mesma coisa que ensino médio ou fundamental”.

Disciplina e trabalho duro

Mesmo com o trabalho intenso nas fábricas, Vanderlei se lembra com saudade dos dias no Japão. (Foto: Gabriel Torres/Arquivo Midiamax)

Há duas décadas, o mestre de obras Vanderlei Rodrigues Tone, de 65 anos, viu no Japão uma oportunidade de mudar de vida. Com a esposa e os três filhos, ele se mudou para o outro lado do mundo em busca de aprendizado e uma melhor condição de vida. Diferente da maioria dos dekasseguis, que geralmente têm baixo nível de escolaridade, Vanderlei e sua família tinham um padrão médio de vida no Brasil.

“Tive comércio durante muitos anos. Depois, as coisas não andaram bem e, para preservar o que eu tinha, resolvi pegar minha esposa e filhos e ir para lá. Como vinha uma crise financeira pela frente, decidir ir para crescer e para entender como se trabalha. Minha esposa era formada, economista, mas resolvemos ir todos juntos”, relembra.

Vanderlei trabalhou na fábrica de automóveis, quando dirigia caminhões e empilhadeiras. Para o mestre de obras, a diferença entre o Brasil e o Japão é a forma como se trabalha. No Japão, o trabalho é intenso e não há tantas oportunidades de ‘subir’ na carreira. “Lá você é sempre peão. Você entra, trabalha e fica [na mesma posição] até morrer”.

Entretanto, para ele, as condições de vida com segurança e tranquilidade compensavam o trabalho duro. Vanderlei relembra com saudade a segurança nas ruas, quando não tinha medo de ser roubado. Para o mestre de obras, o Japão também foi um ótimo lugar para criar os filhos com disciplina. “A vantagem é que lá tem muita disciplina. Lá, é trabalho em primeiro lugar, a família em segundo. Eu acho importante, é um exemplo para você se esforçar”.

Há três meses, Luciana Fukuhara, de 37 anos, deixou o emprego em uma universidade e também decidiu se mudar para o Japão com o filho de 18 anos. Agora, ela trabalha em uma fábrica de componentes eletrônicos e conta que resolveu sair do país natal pelo filho, que queria conhecer outra cultura. Além disso, ela cita as melhores oportunidades de trabalho.

Assim como Vanderlei, Luciana pontua que as condições de trabalho são diferentes no outro lado do mundo. “O trabalho é bastante cansativo, temos uma carga horária de 12 horas em pé. Trabalhamos no turno da noite, sendo que nesta fábrica, o sistema de trabalho é de 4 dias, com 2 dias de descanso”, conta. Para a dekassegui, a vantagem do Japão é a segurança e a qualidade de vida. Luciana conta que pretende voltar para o Brasil no ano que vem, por causa da saudade da família e dos amigos.

Oportunidades de emprego vêm acompanhadas de perdas

Apesar das oportunidades de emprego e a estabilidade financeira, nem tudo são flores para os descendentes que decidem se aventurar no Japão. A pesquisadora Francisca Bezerra de Souza explica que é importante não romantizar a ida para o país. Apesar de descendentes, os brasileiros sofrem com o preconceito no país.

Ela ainda confirma os relatos de Vanderlei: é difícil ascender no trabalho.  “O trabalhador que vai para o Japão não ascende, ele vai ser sempre o trabalhador de chão de fábrica, ascender é quase impossível”, diz.

A pesquisadora, que entrevistou diversos dekasseguis, explica que os brasileiros migram para o outro lado do mundo em busca de melhores condições de vida, mas muitas vezes, as perdas são maiores do que os ganhos. Em um caso dramático, o trabalho extenuante nas fábricas acabou prejudicando a saúde de uma funcionária.

“Ela trabalhava como cuidadora de pacientes terminais em um hospital. Ela ficava 24 horas por dia lá, dormia e uma cadeira, comia a marmita que os pacientes não podiam mais comer e, assim, ficou doente. Ela gastou todo o dinheiro dela no tratamento de saúde e teve que voltar para o Brasil”, relata.

Além disso, muitos destes trabalhadores perderam o crescimento dos filhos, tiveram perdas emocionais e têm dificuldade de se reconectar com o Brasil ao retornar. “Algumas pessoas chegam a passar de 12 a 15 anos no Japão, então elas voltam para cá e não se reconhecem como pertencentes ao país, ao seu bairro, à sua casa. Em um caso, o noivo [de uma dekassegui] voltou para o Brasil e se suicidou porque não conseguiu lidar com as questões de retorno”.

Apesar das perdas, a pesquisadora prevê que a migração para o Japão deve se intensificar com o novo governo. Segundo Souza, com a política de retirada de direitos, deve aumentar o número de pessoas em busca de trabalho em outros países. Midiamax

Compartilhe:
Posted in Noticias and tagged , .

Deixe um comentário